Fico pensando coisas
bobas, como o que eu faria se um gênio me deixasse passar um dia do seu lado de
novo, e inclusive, sei o que eu faria se esse dia fosse hoje. Faria coisas de
criança. Apareceria numa tarde de domingo e passaria deitado com você. Mas na
grama, de um parque ou de um mato qualquer, nos arredores da sua casa, e
passaria a tarde sentindo esse Sol d'agora, queimando de leve o nosso rosto
enquanto procuramos ver alguma lógica no desenho que Deus fez em cada nuvem.
Te faria perguntas
bobas. Que bicho você queria ser? Um bocado de gente queria ser pássaros, o que
é uma resposta muito vaga, podendo ir de uma galinha a um avestruz. Te
perguntaria essa bobagem, ou melhor, acho que perguntaria. Sei que a pergunta
passaria pela minha cabeça, mas não sei se lembraria de perguntar, porque fico
muito aéreo quando olho para o céu.
Pense bem antes de
escolher que pássaro quer ser, minha pequena. Sei que será difícil ter alguma
sombra de dúvida quando um canário rasgar o céu acima de nós, voando apressado,
com a confiança que um menino sente em outro menino em tardes de domingo como
essas enquanto brincam. Sabe qual o perigo de escolher ser um canário? Canários
vivem pouco. Vivem bem uns 5 ou 8 anos. Ok, então não, definitivamente um
canário, não. Sabe que pássaro vive muito? Papagaio. Esse sim, vive uns 80 anos
fácil, fácil. Parece bem melhor, não é? É, ele voa, vive muito e fala.
Cuidado quando for
escolher que pássaro quer ser, menina de olhos lindos. Papagaios tem essas 3
vantagens, mas não podem realizar as 3. O Papagaio é um bicho fascinante.
Inteligentíssimo. Dizem que um papagaio bem esperto, tem a inteligência de um
menino de 3 ou 4 anos, mas infelizmente para ele conseguir isso, ele tem que
viver com o animal mais baixo que tem. É. Gente.
Sabe por que nós
criamos cães, gatos e afins, sem pedir nada em troca? É estranho... Eles podem
comer, dormir, dar despesas e nós não esperamos absolutamente nada em troca por
parte deles, não cobramos nada, não jogamos na cara. E você vai criar o seu
cunhado ou um primo dentro de casa a vida inteira sem cobrar nada? Pense bem.
Ele vai comer, beber e dar despesas assim como um cachorro, mas você não vai
aturá-lo sabe por que? Porque ele fala. É justamente essa a diferença entre
gente e os animais. Nós damos casa e comida pra eles porque eles não falam, não
reclamam, não nos julgam. São o exemplo perfeito daquilo de "Pode ficar em
casa, mas sem reclamar". Nós amamos a ideia de viver com alguém que nos dá
carinho e abana o rabo quando chegamos do trabalho e não nos julga, nem
reclama. Amamos tanto que aceitamos dar casa e comida prum cão.
E o papagaio onde
fica nisso tudo? Bem, ele podia voar, falar e viver 80 anos. Mas nós sabemos
muito bem o que fazer quando tivermos um papagaio em casa. Cortamos suas asas.
Bem, já que cortar suas cordas vocais daria muito mais trabalho, vão-se as asas
mesmo. E aí está a perdição daquele que escolheu ser um papagaio. Papagaios são
tristes. São pássaros e por falarem, tiveram suas asas cortadas assim como todos
nós as tivemos um dia. Perderam sua liberdade. E agora estão condenados a viver
80 anos assim, e como se não bastasse, falando. Talvez para ironicamente
compreenderem em nossa própria língua e testemunharem em bom português a
miséria em que vivemos e somos.
O canário não. Ele
não fala. Ele não teve as asas cortadas e não aprendeu a falar e por isso não
perde o seu tempo como nós, advogados e promotores, tendo que escolher quais
são as palavras mais bonitas pra se falar o que sente, melhor do que isso: ele
canta. Em idioma nenhum. Usa aquela linguagem verdadeira, que sai do coração.
Sem enfeites, sem falsidade, nem nada. E que todo mundo entende. O canário voa
por cima do meu corpo, do seu, e do céu, atrapalhando a gente enquanto
tentávamos desvendar o formato das nuvens, e não dá a mínima pra isso, como
aquele menino que rouba as frutas do pé do vizinho, sem vontade fome nenhuma,
só para rir da raiva dos adultos que o xingam. Moleque teimoso. Voa apressado
para lugar nenhum, aparentemente justamente zombando de nós, aqui presos no
chão, mostrando o quão feliz ele é por voar.
Todos nós nascemos
como canários. Mas dura pouco. Com o tempo, nos ensinam a falar e nos podam as
asas, enquanto o canário vive sua vida feliz e nós lamentamos não apenas pela
nossa, mas pela vida dele, que dura tão pouco. E que exatamente por isso, por
ser tão livre, dure tão pouco e pague com a morte, o preço tão caro, de ser tão
feliz.