Início » Artigos » Artigos

Uma análise crítica acerca dos conflitos ideológicos entre “a manipulação identitária dos índios” equívoca de Edward Luz e suas implicações

Ana Hilda Lima do Vale[1]

Marcelo Bruno de Sousa Silva[2]

Ranielle Pessoa de Jesus[3]

 

Resumo: Trata-se de uma reflexão da carta de Edward Luz à "Gazeta de Santarém” e sua análise sobre as populações ribeirinhas que habitam a região do Baixo Tapajós e Arapiuns, no município de Santarém. De acordo com o mesmo há uma descontinuidade histórica e cultural descaracterizando os padrões culturais indígenas daquela região. A partir do artigo produzido por Leandro Mahalem de Lima, mestre e doutorando em Antropologia Social na USP, em resposta àquela carta que serão abordados nesse artigo os temas: história e cultura, índios e nação, aculturação e globalização, além de identidade e o posicionamento da comunidade antropológica.

Palavras-chave: identidade, FUNAI, ABA, aculturação.

Abstract: This paper reflection the letter of Edward Light to "Gazeta de Santarém" and his analysis of coastal populations inhabiting the region of the lower Tapajós and Arapiuns in the municipality of Santarém, which according to the same and there is a historical discontinuity culture leading to mischaracterize the indigenous cultural patterns that region. It is also from the article by Leandro Lima Mahalem, master and doctoral student in Social Anthropology at USP in response to that letter that will be addressed in this article the following topics: history and culture, Indians and nation, acculturation and globalization, and identity and positioning of the anthropological community.

Keywords: identity, FUNAI, ABA, acculturation.

 

Edward Luz é um líder evangélico, casado e pai de família. Filho de pastor e presidente da Missão Novas Tribos do Brasil, tornou-se antropólogo mestre e doutorando pela UnB. Atualmente é consultor da Human Habitat Consultoria e atua em municípios, estados, sindicatos ou associações ameaçadas pela demarcação de terras indígenas. O missionário critica a descontinuidade histórica e cultural dos indígenas, na região do Tapajós alegando haver uma falsa construção identitária onde pessoas estão se passando por índios, como objetivo de reivindicar terras e benefícios do Estado.

De acordo com ele, a FUNAI também está envolvida na manipulação dessas comunidades ribeirinhas e na demarcação dessas terras. Como é através deste órgão governamental que se dá o processo de demarcação e contratação de antropólogos para fazer os laudos técnicos, Luz declara que o órgão não está sendo imparcial. Acusa a FUNAI de estar recebendo colaborações de ONG`s estrangeiras que compactuam com a ideia de demarcar as terras indígenas manipulando a minoria étnica. Afirma que uma parte significativa desse movimento indigenista brasileiro está recebendo dinheiro destas organizações advindas do hemisfério norte, com interesse no controle dessas terras para domínio de recursos naturais brasileiros.

A partir deste ponto de vista, Edward interpreta o que está acontecendo é como uma apropriação de terras e uma desapropriação agrária. A seu ver os direitos aos povos indígenas garantidos pela constituição se confrontam com os interesses dos produtores rurais e até mesmo dos municípios. O antropólogo parece incomodado por esses direitos estarem sendo assegurados pela FUNAI, pelos antropólogos e o Poder Executivo que detêm controle das instâncias do processo. Para ele esta forma de identificação e demarcação de terras somente leva em consideração os interesses de comunidades que se auto afirmam indígenas sobrepondo-se à sociedade brasileira.

Diante da polêmica gerada por Edward Luz é importante entendermos a relação entre mudanças históricas e mudanças culturais como tendo implicação direta uma sobre a outra. Mudanças históricas estão sempre presentes nas diversas sociedades, contribuindo para construção e formação cultural do desenvolvimento identitário de cada sociedade.

Leandro Mahalem aponta um dos principais erros de Edward Luz na desconsideração da existência de identidades culturais a partir de mudanças históricas. Para constatar o que considera uma farsa Luz, remete à construção de uma cultura inventada, ignorando o fato de que o índio faz parte da nação e tem o direito de se integrar à modernidade participando dos desenvolvimentos sociais, porém de forma diferenciada. Com isso, as diversidades de culturas continuarão sempre a se transformar, sem serem nunca abandonadas.

Índio e nação não podem ser vistos separadamente, como sugere Edward Luz, pois ambos fazem parte do mesmo lugar, embora com características culturais diferentes. Não é essa ligação do índio com a modernidade que vai anular as tradições, costumes e valores que são passados de geração para geração. Segundo o antropólogo Stuart Hall os lugares permanecem fixos e suas raízes não podem ser alteradas, mas esses espaços podem ser entrecruzados. Isso refuta o pensamento de Luz, mostrando que os índios não precisam se isolar do mundo globalizado para se afirmarem como verdadeiros índios.

As antigas teorias da aculturação que previam a perda de culturas específicas diante do contato com culturas mais complexas, há muito cedeu para a ideia da hibridização. Aculturação acontece quando elementos culturais de um grupo se chocam e acabam se fundindo e formando novas culturas sem perder as características originais. O termo aculturação foi criado por antropólogos americanos e a maioria deles acreditavam que a aculturação acontecia por imposição cultural. Com o crescimento da globalização surgiu uma nova visão de aculturação diante da rapidez com que as culturas vão se comunicando entre si ao redor do mundo. Todas as nações fazem parte do processo de globalização que não deve ser visto apenas como uma unificação de identidades culturais, mas também como a afirmação das identidades locais que tendem a se fortalecer.

No quadro global os índios estão sendo inseridos no mundo tecnológico para facilitar tanto no processo de educação quanto de aproximação com a realidade nacional, o que não significa que essa seria uma aculturação por imposição, mas sim a inserção de uma parte fundamental da cultura brasileira no quadro nacional mais amplo.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha enfatiza o auto reconhecimento dos grupos étnicos baseado em seus próprios critérios de distinção percebidos entre eles mesmos. Desta forma ela se contrapõe à concepção de Edward Luz a respeito das comunidades Borari. O posicionamento da comunidade antropológica acerca da carta de Edward Luz está representado no artigo de Leandro Mahalem de Lima, como também no código de ética da ABA(Associação Brasileira de Antropologia). Na página da internet da associação estão dispostos de forma bastante clara os direitos dos antropólogos(as) e das populações que forem seus objetos de pesquisa, os direitos destas ultimas são:

1. Direito de ser informadas sobre a natureza da pesquisa.

2. Direito de recusar-se a participar de uma pesquisa.

3. Direito de preservação de sua intimidade, de acordo com seus padrões culturais.

4. Garantia de que a colaboração prestada à investigação não seja utilizada com o intuito de prejudicar o grupo investigado.

5. Direito de acesso aos resultados da investigação.

6. Direito de autoria e co-autoria das populações sobre sua própria produção cultural.

7.  Direito de ter seus códigos culturais respeitados e serem informadas, através de várias formas sobre o significado do consentimento informado em pesquisas realizadas no campo da saúde.[4]

Além de por em dúvida a legitimidade do trabalho do Antropólogo, e de toda a da comunidade antropológica brasileira, o missionário Edward Luz rompeu com pelo menos um dos direitos garantidos as populações. Neste caso, das comunidades indígenas ribeirinhas Borari e Arapiuns, que não sabiam que a colaboração prestada à investigação seria utilizada com o intuito de prejudicar o grupo investigado.

Edward ao expor seu posicionamento na carta à Gazeta de Santarém, deixou clara as suas intenções de tirar dos próprios grupos em questão a possibilidade de se identificarem como povos indígenas, alegando que estes são apenas caboclos mestiços, ribeirinhos da região e que devem ser vistos não como índios, mas como cidadãos comuns. Além disso, o mesmo generaliza o termo "caboclo”, desqualifica o constructo histórico e cultural daquelas comunidades, ignorando o fato de que no mundo atual raramente se encontram ambientes culturais originais, como o experiente antropólogo Eduardo Viveiros de Castro ratificou em uma matéria da própria Gazeta de Santarém.

Um dos pontos mais impressionantes em suas declarações é o fato de ignorar o suporte constitucional brasileiro a estas comunidades, que possui inclusive embasamento da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre povos indígenas e tribais, onde a consciência da identidade indígena e os direitos e oportunidades desses povos sejam assegurados pela legislação nacional, dando aos governos a responsabilidade de preservar e proteger o meio ambiente dos territórios que eles habitam.

Tanto a OIT de Nª169 quanto a Constituição Brasileira dão a devida importância para o auto reconhecimento como fator decisivo para iniciar um processo de identificação de terras indígenas. O missionário desqualifica o conceito antropológico de Etnogênese, que pretende dar conta do processo de emergência de novas identidades étnicas, bem como o ressurgimento de etnias já reconhecidas. Não trata apenas da emergência física de um determinado grupo culturalmente diferenciado, abrange também e principalmente o processo de transformação social pelas quais passa determinado grupo humano, não apenas politicamente, mas também em termos de definição de identidade, seleção e incorporação de outros elementos. Dessa forma Edward Luz desconsidera todo esse conceito de Etnogênese como se não houvesse mudanças históricas com a comunidade indígena deixando de lado todo processo de globalização pelo qual todos nós estamos passando, inclusive ele, mas sem deixar o que é nosso morrer.

 


Referências Bibliográficas:


http://www.questaoindigena.org/2013/02/como-criacao-de-terras-indigenas-virou.html

HALL, Stuart. "A identidade cultural na pós-modernidade.” 11a ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.

RIBEIRO, Berta G. "O índio na cultura brasileira.”  2ª Ed. Rio de Janeiro: 1987.

DA CUNHA, Manuela Carneiro. "Cultura com aspas e outros ensaios de antropologia.” São Paulo: Cosac Naify, 2009.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (ABA). "Código de Ética do Antropólogo e da Antropóloga.” Em linha: http://www.abant.org.br

DE LIMA, Leandro Mahalem. "Uma resposta possível à "lógica e inequívoca interpretação antropológica” do missionário antropológico Edward Luz.” São Paulo: 2013. Em linha: http://www.usp.br/cesta




[1] Graduanda em ciências sociais pela Universidade Federal do Piauí - UFPI

[2] Graduando em ciências sociais pela Universidade Federal do Piauí - UFPI

[3] Graduanda em ciências sociais pela Universidade Federal do Piauí - UFPI

[4] Leia o Código de Ética do Antropólogo e da Antropóloga formulado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Categoria: Artigos | Adicionado por : Negreiros (2013-05-24)
Visualizações: 1175 | Tags: índios, populações indígenas, yanomami, artigos | Ranking: 0.0/0
Total de comentários: 0
Nome *:
Email *:
Código *: