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SEVCENKO,
Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Vyctor
Gomes de Negreiros Araujo*
Nicolau Sevcenko
nascido em 1952 na cidade de Santos, concluiu sua graduação em história na
Universidade de São Paulo em 1975, doutorou-se em História Social na mesma
universidade e pós doutorou-se em 1990 pela University of London. É professor
titular da Univesidade de São Paulo. Trabalhou também na Pontifícia
Universidade Católica, na Universidade Estadual de Campinas e, como
professor-visitante, em universidades de Londres, no Reino Unido, Illinois e
Georgetown, nos Estados Unidos, onde ainda atua, na Universidade Harvard. A obra intitulada Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo,
sociedade e cultura nos frementes anos 20, publicada em 1992, apresenta-nos
a uma São Paulo em que uma elite desfilava comportadamente pelas principais
avenidas da cidade, jovens competem em torneios futebolísticos ou aquáticos e o
homem paulista funde-se com a máquina e toma os ares, emergindo a figura
emblemática de Edu Chaves nas disputas de aviação e busca por recordes. Organizado em capítulos
(quatro) apresentados por títulos sugestivos, a saber, O Vento das Trincheiras é Quente, Da História ao Mito e Vice-versa Duas Vezes, que nomeiam os dois últimos capítulos do
livro resenhados neste trabalho, o livro não poupa em exemplos literários,
poéticos, teatrais, musicais e fotográficos que possibilitam ao leitor
compreender a formação da consciência metropolitana do paulista nos "frementes
anos 20”. O penúltimo capítulo
tem início com o texto La petite auto do
escritor vanguardista francês Apollinaire, figura a qual Sevcenko não se
preocupa em exceder nas citações, seguido de declarações do pintor, também
francês, Gauguin sobre um sonho que tivera pouco antes de morrer, através do
qual, Sevcenko apresenta a realidade Europeia do período correspondente à
posteridade da Segunda Revolução Industrial como um "fluxo volatizador de
mudanças, mas submetida a uma ossatura institucional e intelectual rígida ou
pouco flexível” (SEVCENKO, 1992, p.156). Todo o tato discursivo
de Sevcenko reverbera em um ponto esclarecedor, qual seja: a vertigem coletiva da ação e da
velocidade, engendrando-a, estimulando-a, sem permitir a reflexão sobre suas
consequências nas mentes e na cultura, as inovações tecnológicas invadindo o
cotidiano num surto inédito, multiplicando-se mais rapidamente do que as
pessoas pudessem se adaptar a elas e corroendo os últimos resquícios de um
mundo estável e um curso de vida que as novas gerações pudessem modelar pelas
antigas. (SEVCENKO, 1992,p.162) O capítulo segue
mencionando as incontáveis descobertas que se sucederam do final do século XIX
ao desenrolar do século XX, desde o nascimento do telefone, do aeroplano, do
automóvel e do cinema às descobertas científicas realizadas por Einstein,
Planck e pelo casal Curie, finalizando no aguçamento da consciência temporal do
homem dos anos 20 com a criação dos relógios de alta precisão, tornando a
associação tempo-ação inextricáveis de tal forma que possibilitaram o nascimento
dos esportes modernos. Dois outros aspectos com os quais o autor finaliza o
capítulo são: as linhas de montagem, como sinônimos de eficiência produtiva e a
concepção do jazz que inundaria de vez a cultura popular norte-americana e
mundial. Sevcenko faz relatos
dos movimentos vanguardistas e menciona a importância de um evento que o mesmo
considera o "mais profuso de significados em todo o período heroico da
concepção da arte moderna” (p.182), qual seja: o balé multiartístico Parade. Além de descrever com precisão
milimétrica detalhes que a peça engendrava, o autor descreve, um a um, os
envolvidos na empreitada que foi a público em 1917 no Théâtre du Châtelet, em
París. O responsável pelo background cenográfico
foi ninguém menos que Pablo Picasso, a quem o autor recorre mais adiante para
tratar de seu quadro Les Demoiselles D'Avignon como marco de uma nova estética
de pintura e da busca pelo purismo e primitivismo. O último capítulo,
enfim, iniciado pelo texto de outra figura simbólica deste livro, Jean Cocteau,
retoma a meada dos dois primeiros capítulos e nos deparamos com uma São Paulo
de efervescências culturais e tecnológicas. A autonomia, representada pelas
lâminas azuis "Gillette” que poupavam ao homem as idas matinais ao barbeiro
simbolizam as cores do fardamento das ideias modernistas que invadiram a
metrópole por toda a década de 20: Havia, porém, um âmbito no qual a
questão da modernidade adquiria a sua máxima consistência simbólica e expressão
cristalina. Esse era o âmbito das artes, particularmente a música e as artes
cênicas, vindo depois as artes plásticas, poesia literatura de ficção e
ensaísmo. Figuram neste capítulo
as personalidades de Paulo Prado como grande incentivador das artes promovendo
mostras e, acima de tudo, o escritor Afonso Arinos num movimento de
redescoberta do Brasil e de afirmação da arte nacional a qualquer custo na
imagem do rapsodo sertanejo. Panorama
do Morro dos Tísicos engendra no cenário metropolitano
figuras como Manuel Bandeira como símbolos de reflexo artístico do espírito que
tomava as ruas na década de 20. Com um texto marcado por um vício coloquial
elíptico e pulsante, o qual arremeda o próprio ritmo alucinado do período. Os
grupos de jovens esportistas começam a se popularizar com o surgimento e
estabelecimento dos clubes, dentre eles o Clube de Regatas do Flamengo. O
clímax da descrição dá-se na Semana de Arte Moderna, com destaque para a figura
de Villa-Lobos, maior beneficiário da mostra. O livro, muito embora
possua teor essencialmente acadêmico, permite-nos uma viagem pela história
mundial da Arte desde 1870 aos anos que preenchem a década de 20 de forma não
linear, mas que, apesar disso, consegue, com propriedade, preencher todas as
lacunas e questionamentos que se apresentam com o desenrolar da leitura do texto.
Sevcenko utiliza-se da
figura mitológica de Orfeu, deus que costumava encantar a todos com o som de
sua lira, paralisando inclusive os pássaros e deixando a todos absortos,
extasiados e que se toma dos próprios efeitos de seu som ao ver a metrópole paulista
nos "frementes anos 20” permanecendo extático ante as proezas, os ritmos, os
vícios e descobertas do metropolitano paulista. Tal é a beleza do trabalho de
Sevcenko que também nós, leitores, permanecemos absortos, extáticos ante a
mágica sonoridade do argumento do autor e a simplicidade com que o mesmo
transmite conceitos, valores e sentimentos de um período que foi fundamental
para a construção do comportamento metropolitano brasileiro na
contemporaneidade. | |
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