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POLÊMICAS RECENTES NA ANTROPOLOGIA E A GUERRA IDEOLÓGICO-EPISTEMOLÓGICA NOS SUBTERRÂNEOS DE UM REALINHAMENTO DE FORÇAS SOCIAIS

May Waddington Telles Ribeiro*


Não é de hoje que Napoleon Chagnon encontra-se envolvido em polêmicas que rodeiam o grupo indígena Yanomami. Desde os anos 60, com o livro ‘O Povo Feroz’ publicado em 1968, retrata o grupo indígena como um povo violento, hostil, disposto a matar os rivais para roubar suas mulheres. O livro foi alvo de inúmeras criticas dos que discordam ferrenhamente da caracterização que Chagnon faz do grupo em questão, principalmente com a publicação de um livro denúncia escrito pelo jornalista Patrick Tierney, "Darkness in Eldorado” e à resenha do mesmo pelo renomado antropólogo Marshall Sahlins que serviu como uma carta-aberta, contendo devastadoras críticas ao antropólogo. Recentemente, o antropólogo tornou a gerar mais uma onda de discussões, dessa vez com o livro ‘Noble Savagens’. Durante todo este tempo, inúmeras manifestações por pesquisadores que já trabalhavam com os Yanomami há muito tempo e de forma mais contínua, descrevem a tribo em questão como um povo geralmente pacífico e não extremamente agressivo, como queria Chagnon.

O sensacionalismo e a polêmica fazem com que Chagnon tenha uma visibilidade ampla para o público leigo justamente por suas qualidades mais dúbias. Diferentes correntes científicas, sustentadas por posicionamentos político-ideológicos antagônicos, passaram a disputar o convencimento desse público, indicando um deslocamento no eixo de poder entre vertentes epistemológicas que parece indicar um realinhamento do poder na sociedade, ocorrendo de forma subterrânea, a partir de suas premissas mais profundas. O constructo teórico que privilegia as representações sociais, símbolos e significados fundamentando uma ideia de construção social da realidade, são desafiadas por um realismo neoevolucionista que rechaça a cultura em nome de uma explicação genética da sociedade.

Essa disputa pode ser resumida nos últimos lances espetaculares da contenda, nos quais Chagnon, antes expulso, foi readmitido na Academia Americana de Ciências e dela novamente expulso diante de uma manifestação pública contundente de um dos mais famosos antropólogos americanos da atualidade, Marshall Sahlins. Está claro que nos deparamos com disputas políticas Kuhnzianas no interior do campo científico. No entanto, o poder e recursos que estes diferentes campos pretendem acessar estão contidos nas instituições da sociedade, fora do próprio campo científico, e seu acesso depende da disputa discursiva que se tornou pública com a contenda. Como cientistas sociais, o que buscamos nessa análise, são as condições que se alteram no contexto da disputa e que a tornam, presentemente, exacerbada.

Essa disputa epistêmico-ideológica também pode ser identificada em outras polêmicas contemporâneas. No Brasil, as hiper-simplificações baratas e deturpantes dos conceitos antropológicos promovidas pela Confederação Nacional da Agricultura,  conforme as colunas bimensais da Senadora Katia Abreu na Folha de São Paulo, ou nas diatribes do antropólogo missionário Edward Luz, apresentam uma afinidade assustadora com a desqualificação pura e simples das teorias da cultura em função determinismos sociobiológicos. Observa-se, no entanto, uma inversão no movimento dessas guerras. Enquanto a primeira alcança o público a partir de embates teóricos ou considerações éticas que ocorrem dentro do campo científico, a segunda disputa se inicia no campo da política e visa o desmonte de conceitos científicos de forma a permitir o acesso e controle de instituições, recursos políticos, econômicos e naturais.

Em ambas as polêmicas, o papel do antropólogo e seu comportamento ético são centrais. Se no caso da relação chauvinista de Chagnon com os Yanomami o desrespeito pela alteridade e as manipulações midiáticas apontam para uma promiscuidade entre a antropologia e pesquisas militares e genéticas, no caso brasileiro observamos uma ciência que se constrói em íntima relação com os direitos de comunidades e sociedades em posição de poder assimetricamente desfavorável. No achaque dos ruralistas, a antropologia está sendo acusada de promiscuidade por ser parte da construção de um regime de direitos nas esferas da sociedade que lutam pelo "direito a ter direitos”. Comunidades que buscam sair da invisiblidade e ser "contempladas” em suas especificidades para que seja possível construir o pluralismo jurídico que condiz com a visão multicultural e colorida que a soceidade tem de si. Nesse âmbito, a atividade profissional específica do antropólogo foi fundamental, pois havia que se formar especialistas em enxergar o que não se via, "ver o outro”, compreendê-lo e interpretar suas diferenças culturais, assim como aos nossos próprios processos sociais reificados. 

Além de formar profissionais, a antropologia, dentro deste estado nacional de tamanha diversidade cultural e diferenças sociais tão gritantes, constituiu-se uma associação profissional, a Associação Brasileira de Antropologia, que promove uma relação também específica com seus associados. Mesmo classificada como associação científica, a ABA atua como um interlocutor entre as instituições e as sociedades tradicionais. São raros os profissionais não associados e a participação é vista como uma necessidade, em uma atividade na qual a eficácia da produção técnica depende da credibilidade dos autores perante seus pares. Comissões de ética, reuniões que estabelecem padrões de comportamento nas relações com o Direito ou instituições de governo, respostas a ataques a grupos étnicos ou a profissionais em exercício, são atividades constantes dessa Associação. De que outra forma poderia esta profissão, que nasceu e se construiu no fino fio da navalha dos encontros entre o poder assolador do Estado-modernidade- capitalismo sobre as sociedades que incorpora aos seus processos, e a simultânea necessidade de consenso ético dessa mesma modernidade, que constrói e mantém o Estados e sustenta as formas políticas deste mesmo capitalismo?

O presente painel de trabalhos finais da turma de Teoria Antropológica III do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Piauí examina e esclarece diferentes aspectos dessas polêmicas atuais, procurando contextualizar seus atores e correntes epistemológicas, em um exercício de problematização do papel do antropólogo na sociedade brasileira.


Poster-artigo 1: Um antropólogo mau-caráter. Solano, Amélia; Feitosa, Aniele

Poster-artigo 2: Sangue Yanomami: Um olhar sobre o perigo do reducionismo biologizante e os conflito éticos pós-pesquisa. Nataniel, Childer,  Araujo,Vyctor G. N. e Carlos, Wanderson

Poster-Artigo 3: O Agronegócio e a Questão Indígena no Discurso da Senadora Ruralista Kátia Abreu. Braz, Laís M.N., Barroso, Ilana M., Coelho Jr., Raimundo N.

Poster-Artigo 4: Uma Análise Crítica a cerca dos conflitos ideológicos entre a alegada "manipulação identitária dos índios” em Edward Luz e suas implicações para a comunidade antropológica. Vale, Ana Hilda L.; Silva, Marcelo B.S.; Jesus, Raniele P.

Poster-Artigo 5: Considerações sobre o papel das Populações Indígenas e Tradicionais na Preservação da Amazônia no pensamento e Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida. Fontinelli, Lilian M.V. e Macedo, Ianne P.

Poster-Artigo 6: A ABA e a Ética que a constitui, Marques, Ananda B.R.; Santana, Gabriela P.; Sousa, Jahyra K.O.; Morais, Maria do Socorro S.



* Professora Adjunta II da Universidade Federal do Piauí, permanente no PPGAARq e colaboradora no

PRODEMA.

Categoria: Artigos | Adicionado por : Negreiros (2013-05-24)
Visualizações: 783 | Tags: índios, populações indígenas, yanomami, artigos | Ranking: 0.0/0
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